Foto de Euclides Sandoval, de 1981 |
Há quarenta anos Atibaia vivia um dos momentos mais
importantes de sua história: o tombamento da Pedra Grande. Resultado de ampla
participação popular, o dia que melhor simboliza esse momento é hoje, 06 de
julho de 1983. Nessa data era oficializado o tombamento da Serra do Itapetinga
e da Pedra Grande através da Resolução número 14, assinada pelo Condephaat.
Muitos foram os protagonistas dessa história, desde políticos a professores,
passando por artistas, mas principalmente pelos jovens, que descobriram naquele
momento a importância da participação social nos rumos da cidade. O início do
movimento veio da indignação de dois deles: Diógenes da Cunha Baggio (o Taba) e
Eduardo Aparecido da Silva (o Capacete), que, inconformados com a movimentação
de terra que ocorria no pé da serra, se mobilizaram e desencadearam um
movimento que alcançou grandes proporções ao extrapolar nossos limites
regionais.
A serra, naquele momento, era ameaçada pelo loteamento
'Atibaia Vista da Montanha', um empreendimento imobiliário que pretendia estabelecer
um território 'nobre', exclusivo para os endinheirados da época, em detrimento
de uma paisagem que integra um bem coletivo. A Serra do Itapetinga, onde se
encontra a Pedra Grande, compõe o código visual e afetivo de todo morador de
Atibaia. Moradores novos e antigos, conterrâneos e turistas reconhecem que, sem
a imensa serra que emoldura a paisagem, a cidade não seria uma das mais bonitas
do estado. Sua importância para os atibaianos está formalizada na Lei n° 282,
de 1954, que instituiu a imagem da serra no brasão de armas da cidade, em um
dos raros casos em que um acidente natural faz parte da descrição heráldica de
um município. Beleza cantada em prosas e versos, cores e músicas: de Benedito
Calixto a Amadeu Amaral.
E aqui cabe uma lembrança. Além das movimentações políticas
que ocorreram na época, que levaram a efetivação do tombamento da Pedra
Grande, o movimento ecológico contou também com ampla participação de
artistas e suas ações culturais. No histórico cultural do município, sua sequência
cronológica pode ser dividida em três períodos de maior importância. O primeiro
teve início no começo do século XX, quando a cidade viveu seu momento de
urbanização, fato que possibilitou a organização de inúmeras associações e
agremiações, formalizadas ou não, em diversas áreas como a esportiva, a
assistencial, a social e principalmente a cultural. O segundo período teve
início um pouco antes da metade do século XX, quando a cidade experimentou uma
grande projeção nacional em razão das ações culturais desencadeadas pelo
multifacetado artista André Carneiro. André Carneiro estabeleceu uma conexão
inédita entre Atibaia e o Movimento Modernista, fato que projetou o nome de
Atibaia para todo o país (e até no exterior). Ações baseadas exclusivamente na
cultura! O terceiro período teve início a partir dos anos oitenta e ganhou
contornos próprios ao se associar ao movimento ecológico que surgia e que levou
ao tombamento da Pedra Grande. Foram as ações culturais que mantiveram a união
e a permanência necessárias de seus militantes até a efetivação do resultado,
além de fornecer a base reflexiva, igualmente necessária ao êxito do movimento.
Quantos movimentos reivindicatórios não morrem pela dificuldade de manter seus
participantes em atividade? Um dos grandes trunfos do movimento ecológico foi
enfrentar a velha tática do esfriamento da participação social, tão bem
utilizada pelo poder econômico e político quando assim lhes convém.
Por essas razões, quatro décadas depois, é justo incluir a
cultura como um dos fatores de grande importância para o êxito do movimento
ecológico que preservou a Pedra Grande, monumento natural que hoje integra o
Mosaico de Unidades de Conservação do Parque Estadual do Itapetinga, criado em
30 de março de 2010. Mas a história não acabou. A sombra da ganância e do poder
econômico permanece sobre nossas cabeças. Agora travestidas de palavras como
verticalização, teleféricos, sky glass e outras aberrações que só
favorecem meia dúzia de empresários gananciosos. Se a desculpa é o turismo,
fica uma pergunta: um espaço onde seu bem natural esteja preservado não será o
melhor cartão de visita para o turista do futuro? Num momento em que a cidade
passa novamente por um período de grande ameaça em razão do crescente índice
populacional e acelerada mudança urbana, muitas vezes deslocadas do histórico
cultural e afetivo da população, é justo essa lembrança, e mesmo uma reflexão e
uma autocrítica.
Assim como a cultura teve papel fundamental nos anos
oitenta, ao somar-se ao êxito alcançado pelo tombamento da Pedra Grande, não
seria novamente seu papel nesse momento? Reconhece-se a enorme contribuição do
setor nas pautas identitárias, tão necessárias ao caminhar civilizatório, mas
infelizmente os problemas brasileiros são muitos e, nesse momento, a boiada do
poder econômico passa a passos largos em terras de Jerônimo, no melhor estilo
exploratório das Bandeiras. Eu, como artista, me incluo nessa observação. A
opção que fiz pelo isolamento, que naturalmente vem das inúmeras decepções e
frustrações acumuladas, não podem justificar a inépcia. Quero novamente ter a
força e a dose certa de indignação para não me deixar morrer. Luzia, minha
neta, merece todo esforço.
Márcio Zago
Por Carlos Alberto Pessoa Rosa: ótimo texto Zago, pontuação fundamental nesse momento em que a ganância de poucos e interesses pouco éticos, que podem beirar a imoralidade, pensam a cidade como reserva de metal nobre a ser garimpada o mais rapidamente possível, sem preocupações de se transformar em mais uma Serra Pelada que está entregue às moscas. Enquanto o mundo preserva sua riqueza natural e histórica, estimula a cultura em todas as suas expressões, por serem essas as fontes mais seguras de recursos para as cidades no futuro, nós interferimos na paisagem, pior, verticalizamos sem projeto urbanístico a harmonizar o crescimento. Disso restará prevermos as catástrofes, algum urbanista tem dúvida, por exemplo, dos problemas de enchentes que teremos em todo o leito da avenida Santana? Algum morador deixa de perceber o problema de mobilidade existente e cada vez mais grave? Quem promove o que está ocorrendo, junto daqueles que deveriam administrar o bem público no interesse do coletivo, mas atuam por interesses pessoais, com certeza, estarão fora da cidade, assim como fizeram os exploradores de Serra Pelada.
ResponderExcluirA ganância de uns poucos compromete muitos...mas “O preço da liberdade é a eterna vigilância”.
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