Outubro de 2023 será inesquecível. Tivemos o privilégio de
comemorar quarenta anos de trabalho voltados a cultura através das ações do
Garatuja. Desnecessário enfatizar as dificuldades e desafios, o importante é a
alegria de poder comemorar. Foram quatro décadas de trabalhos consecutivos,
elaborados no dia a dia, onde a grande dificuldade era dar uma pausa para
qualquer assunto que não fosse o Garatuja. A opção por abrir nosso espaço à
comunidade, que sempre utilizou de todos os recursos existentes nas inúmeras
oficinas, cursos e encontros que realizamos, transformou esse momento numa
festa quase familiar. Reunimos alunos, ex-alunos e os muitos amigos que
dividiram conosco essa data tão especial. Entre eles Juliana Gobbe, uma
talentosa escritora que publicou o texto abaixo no jornal "Correio de
Atibaia". Ela nos entrevistou também para seu programa "Becos de
Ofício", um programa que registra fatos e pessoas da nossa terra. Juliana
desempenha um papel fundamental na construção cultural de nosso município, e é
uma honra tê-la como amiga. Abaixo o texto na íntegra.
Garatuja – 40 anos: os regentes da Utopia
No livro Cultura de Massa e Cultura Popular – Leituras de
Operárias, a pesquisadora Ecléa Bosi nos convida a pensar sobre as distorções
estéticas do que se produz em série, sobretudo no universo da arte, pois
sabemos que estes objetos são tensionados a alcançar grandes públicos. O fato é
que a era de reprodutibilidade técnica, alardeada por Benjamim, hoje chega a
patamares inimagináveis em termos de alcance. Questionemos então a arte em seu
caráter de “artesania”, evocando nosso Manoel de Barros, e o quão pode ser
prazeroso sermos guiados por mãos, olhos e corpos orientados pela cultura em
seu processo de emancipação humana. Eis o Instituto de Arte e Cultura Garatuja,
que neste mês de outubro de 2023, completa 40 anos. Na construção e
solidificação histórica desta empreitada, estão: Élsie Costa e Márcio Zago.
Como não sou afeita em romantizar o trabalho exaustivo dos mestres da cultura,
não vou nomeá-los aqui como “guerreiros”, mas sim, chamá-los-ei de regentes da
utopia, pois é ela, parafraseando Galeano, que os faz caminhar
ininterruptamente há tantas décadas. Mas, não é só isso, pois o talento
grandioso da dupla, o conhecimento profundo de ambos sobre as artes que
praticam, transformam vidas e isso já nos traduz o valor desta jornada. No
entanto, o trabalho da cultura em terras brasileiras está sempre atrelado à má
vontade e ignorância das classes dominantes. Nossa dupla sempre labutou para a
sobrevivência deste Instituto de Artes, tão especial para a cidade de Atibaia,
no interior de São Paulo. Como pesquisadora, Élsie ainda muito jovem, lá nos
idos de 1978 já era agraciada com um prêmio nacional sobre os ternos da Congada
pela FUNARTE. Em 2005, lançou o livro: Balanceia meu Batalhão, leitura
recomendadíssima, pois trata-se de um estudo aprofundado sobre as congadas na
nossa região. Em 2014, com seu espirito sempre inventivo, criou o projeto
Linguagens da Dança, dominou e expandiu conceitos, como a Ludodança, processo
de educação através do corpo. Este mesmo instrumento físico tão vigiado e punido, como já anunciava
Foucault. Élsie é incansável no seu propósito emancipador, sempre tira da sua
cartola encantada, projetos relevantes. E o nosso Márcio Zago, como bem
relembra no livro comemorativo: Movimentos e traçados. Ideias e ações, desde
pequeno andava às voltas com sonhos de madeira na Marcenaria de seu pai. De lá
pra cá, estas mãos desenharam, pintaram, escreveram e esculpiram e, como o
conhecimento não deve permanecer guardado a sete chaves, ele resolveu
disseminar suas artes, para centenas de alunos que tiveram o privilégio de frequentar
o Garatuja. A história cultural de Atibaia, também tem sido uma bela tarefa
para o escritor Márcio Zago e uma alegria para seus leitores. A ele coube a
criação da Semana André Carneiro e, posteriormente o Coletivo André Carneiro,
do qual, honrosamente faço parte. Nestes 40 anos de Garatuja, não nos
esqueçamos que se trata, não só de um espaço físico, mas sim de uma construção
de outras realidades. Como já disse anteriormente, Élsie e Márcio são regentes
de utopia, portanto, movedores do mundo.
Juliana Gobbe é Doutora em Filosofia e História da Educação pela Unicamp. Autora de Óculos de Marfim e À esquerda do Império (2017). Coordena o blogue “Tecendo em Reverso”, os coletivos Abraço Cultural e Kalúnia e participa do Coletivo André Carneiro.
Esta entrevista foi possível graças ao projeto GARATUJA – 40 Anos Dedicados às Artes Visuais e Cênicas na Infância e Juventude – Edital ProAC Expresso Lei Aldir Blanc 51/2021 – Prêmio por Histórico de Realização para Pontos de Cultura. #ProAC2021
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