quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Nosso depoimento


A partir de hoje entra no ar esse blog. Sua função é tornar mais próximo o dia a dia do Garatuja com os interessados em nosso trabalho. É um veiculo de troca, onde comentários serão sempre bem vindos. O site também ganhou cara nova com trabalho do Henrique Ventura, “oficinando” do Garatuja. Tem ainda o boletim virtual que passa a ter maior regularidade, o twiter que pode ser acompanhado pelo endereço http://twitter.com/iacgaratuja e finalmente a comunidade no orkut, http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=5606931 administrado totalmente pelos jovens do Garatuja. Para começar reproduzimos um texto usado no novo site, que situa nosso trabalho, pensamentos e anseios. Sejam bem vindos.
Nosso depoimento
O Garatuja surgiu em Atibaia num período em que trabalhar com arte nas cidades do interior era tarefas das mais árduas. Não que encarássemos assim na época. Muito pelo contrario. Éramos jovens, e a vida nos parecia uma larga avenida a percorrer, e tudo era possível. A cidade não passava de 60 mil habitantes e quase nada acontecia. O Museu Municipal se apresentava como único espaço disponível para todas as realizações artísticas e por longo período foi lá que ocorreram os Encontros de Artes Plásticas, exposições e exibições do cineclube. Foi nesse vácuo que decidimos montar o Garatuja, mas logo de início já vieram às primeiras dificuldades e com elas as dúvidas. Mudar-se de cidade ou tentar outro trabalho? Essas foram indagações recorrentes. Em dado momento, quando tudo conspirava contra, decidimos ficar. Ao contrário de muitos artistas que deixam sua terra pra buscar nos grandes centros melhores condições de vida, decidimos permanecer, cavar aqui nosso espaço e plantar nosso sonho. Não havia política cultural voltada às atividades artísticas produzidas fora dos grandes centros, tampouco recursos municipais disponíveis para fomentar as ações culturais, e muito menos as ações independentes. O jeito foi se virar com o que dava: aulas particulares; serviços ligados às artes gráficas; a programação visual, cujos ganhos foram investidos integralmente no próprio espaço. Trocamos muitos passeios, por prensa de gravura; roupas por refletores e lâmpadas; carro mais novo por equipamento fotográfico, e assim o Garatuja foi se equipando e tomando a cara que tem hoje. É bom lembrar que naquele tempo não havia computador, nem internet, e a sensação de isolamento era total. O mais importante era manter o foco naquilo que acreditávamos, mesmo que muitas vezes falando sozinhos e sendo pouco compreendidos. Fatos cômicos, pra não dizer trágicos, ocorreram nesse período, datado do inicio dos anos oitenta. Estávamos preparando a divulgação de vários cursos que aconteceriam em outra escola, no CRIE – Oficinas de Arte, e foi lá que usamos pela primeira vez a palavra “oficina”. O retorno obtido foi desastroso. Ligavam para saber se consertávamos geladeira, carros ou máquina de escrever. Outro fato sintomático foi à primeira experiência em trabalhar com adultos. Na preparação das aulas de artes plásticas estava incluída história da arte, perspectiva e teorias das cores, mas o único aluno interessado que apareceu foi um confeiteiro procurando saber como reproduzir a cara do Pato Donald em cima de um bolo. E assim fomos, insistindo, ou melhor, resistindo. Olhando hoje, sem os óculos cor de rosa da juventude, mas pelas lentes claras da maturidade vemos que muita coisa mudou. E pra melhor. É verdade que alguns dos sonhos ficaram pelo caminho. A esperança de um dia viver exclusivamente da pintura, ou a dedicação total a dança, foi gradativamente sendo trocada pelos inúmeros afazeres que surgem a cada dia. O prazer de estar entre telas e tintas continua o mesmo. Só que agora a necessidade individual da expressão artística foi suplantada pelo trabalho constante de criar condições para que outros se expressem, para que outros dancem. E isso não é nada doloroso, ao contrário, nos sentimos extremamente felizes ao ver uma criança se expressando com liberdade, um adolescente preparando-se para entrar em cena, ou um congadeiro, que por breve momento, vira um “guerreiro” de verdade. Nesse percurso, velhas amizades foram encobertas pelas sombras do poder, que quase sempre rompem o tênue fio das limitações humanas. Outras tantas novas amizades foram e são conquistadas a cada dia. E mais uma vez, como tantas outras, quando aparentemente, todas as portas se fechavam, portais foram abertos: vieram o patrocínio da Petrobras, a parceria com a Associação Cachuera!, com o IPÊ, com a Secretaria de Estado da Cultura, o Prêmio Cultura Viva e o Ponto de Cultura. Divisor de águas, o Programa Cultura Viva, especificamente o Ponto de Cultura, representa, para nós, o que há de mais lúcido em termos de política cultural para uma nação. Nele, espaços como o Garatuja, e outros, que resistiram ao tempo, ganham vez e voz. Foi através desse programa que um outro país ressurgiu pro mundo, e pra si mesmo, mostrando sua cara, suas cores, cantos e danças. Se antes “pegava mal” para uma moça acompanhar, de gravador e máquina fotográfica em punho, os Batalhões de Congadas pelas ruas, hoje são muitos os que apontam seus flashs nessa direção. Para quem viveu, como nós, a intensa massificação das décadas passadas, aonde a única referência cultural vinha do American way of life, nunca iria imaginar que hoje, jovens de todas as classes sociais, ostentariam no corpo a estética popular de nossa mais remota origem. O Garatuja, como Ponto de Cultura, conquistou a autonomia e independência necessária pra continuar na luta e poder lutar por outros na conquista de políticas públicas verdadeiramente democráticas. Onde a independência e a diversidade de artistas e espaços não sejam encaradas como ameaça pelos que se consideram os únicos “donos” da cultura, mas vista como parte desse imenso caldeirão de cores, formas, ritmos, danças, cantos, cheiros e tatos que é a cultura brasileira.
Márcio Zago e Élsie da Costa
Fundadores e diretores artísticos do Garatuja.

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